segunda-feira, 4 de abril de 2022

Mobilidade para as pessoas na Baixa e em Lisboa

Recentemente, voltou a ser discutida a questão das restrições à circulação automóvel na Baixa, na sequência da intenção manifestada pela Câmara Municipal de Lisboa através do projecto “Zona de Emissões Reduzidas Avenida-Baixa-Chiado” apresentada no início de 2020 mas cuja implementação foi adiada devido à pandemia de COVID-19.

A ZER Avenida-Baixa-Chiado foi apresentada com o objectivo de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, mas a sua divulgação motivou críticas e contestação por parte da população, dos comerciantes e de autarcas locais, pela ausência de diálogo prévio e pela ausência de estudos ou de medidas mitigadoras dos impactos das restrições e condicionamento da circulação e acessos.

As alterações climáticas e as suas consequências para o planeta são incontestáveis e também está demonstrado que os efeitos destas alterações em Lisboa serão severos.

As cidades são geradoras, directa ou indirectamente, de uma parte significativa das emissões de gases com efeito de estufa com os transportes a representarem uma parcela muito relevante destas emissões. Em Lisboa, os transportes representam cerca de 46% das emissões. A poluição gerada pelos automóveis tem também fortes implicações na saúde humana e Lisboa regista excesso de poluição do ar em vários componentes.

Em Lisboa, entram diariamente cerca de 370.000 automóveis que se somam aos já existentes na cidade. Lisboa tem demasiados automóveis, demasiada poluição do ar e sonora causada pela circulação automóvel e demasiado espaço público ocupado.

Portugal assumiu acordos internacionais para a diminuição das emissões de gases com efeito de estufa e, neste contexto, o desempenho ambiental das cidades tem um papel determinante. A cidade de Lisboa assumiu também compromissos para a diminuição das emissões de GEE e estabeleceu metas calendarizadas muito exigentes.

A emergência climática obriga a agir com mudanças exigentes e adaptação de comportamentos colectivos e individuais. Mas a exigência das metas a alcançar não tem de ser sinónimo de radicalismo na acção, nem de violentação das pessoas.

Nos últimos anos, a política de mobilidade foi concretizada de forma agressiva, sem diálogo e envolvimento das pessoas, ignorando as suas necessidades e sem cuidar de criar alternativas. O resultado foi gerar descontentamento e repulsa e colocando as pessoas, umas contra as outras.

A mudança na mobilidade, tornando-a ambientalmente sustentável, é necessária. Mas estas mudanças têm de ser construídas com as pessoas e não contra elas. O sucesso das alterações a empreender depende da conquista das pessoas para esta causa.

A ZER da Baixa, tal como foi proposta e, sobretudo, como foi apresentada, não serve as pessoas porque não as respeita: foi desenhada de forma impositiva, sem diálogo, ignorou as necessidades das pessoas e não previu ou acautelou os impactos.

A Baixa de Lisboa é o coração da cidade. Tem de ser saudável. Mas este coração tem de bater, tem de ter vida e tem de ter pessoas. A Baixa tem de ter habitação, comércio, serviços e turismo e tem de conciliar todas as necessidades e interesses.

A Baixa e a cidade têm de ter menos carros, menos poluição, mais espaço público para usufruir e melhor qualidade do ar. As mudanças são inevitáveis, mas a mobilidade tem de estar ao serviço das pessoas e não contra elas.

O rumo para a mobilidade sustentável nas cidades é obrigatório e urgente, mas a mudança tem de ser operada sem radicalismos e, sobretudo, com as pessoas. Está em causa o nosso futuro colectivo. Lisboa deve ser (bom) exemplo.


António Prôa

texto publicado no jornal Nascer do Sol, 1 de Abril de 2022

segunda-feira, 28 de março de 2022

Noite, diversão e violência


Será que mais um episódio de violência, mais uma morte à porta de uma discoteca em Lisboa é um custo bastante para travar esta chocante contradição entre diversão e agressão?

O que está a falhar na sociedade, nas famílias, na indústria da diversão noturna e nas autoridades públicas que permite que um jovem, quando sai à noite para se divertir, possa acabar agredido, num serviço de urgência de um hospital ou numa morgue?

O trágico episódio da morte de Fábio Guerra – um agente da PSP – na sequência de agressões à porta de uma discoteca em Lisboa é, infelizmente, mais um caso de violência na noite que deveria ser de diversão e foi, como acontece demasiadas vezes, de violência.

Uma morte num contexto que deveria ser de diversão é especialmente estúpida e intolerável. Mas a violência física ou verbal, a agressividade gratuita ou fútil é cada vez mais frequente na noite.

O intenso consumo de álcool e, em cada vez maior quantidade e variedade, de drogas, o prolongamento da noite e a tribalização são as causas mais directas dos episódios de agressividade e de violência no que deveria ser a diversão nocturna. E os rituais de consumo de álcool no início da noite precipitam os comportamentos agressivos.

Depois há outras causas mais complexas: o contexto familiar, o meio social e a formação pessoal, bem como a desadequada regulação, a insuficiente fiscalização e a escassa vigilância.

Não há uma solução simples ou única. Mas nem por isso, como parece ser, é inevitável. Mais, não pode merecer passividade e exige uma atitude concertada e empenhada, o que, manifestamente, não tem sucedido.

A passividade ou a conformação com que se tem observado os cada vez mais frequentes e graves casos de violência em contexto de diversão nocturna não podem ser admissíveis.

A responsabilização das famílias, a sensibilização para comportamentos mais responsáveis e a censura perante a violência têm de ser um compromisso da sociedade.

O controlo da venda e de consumo de álcool, o planeamento urbano das zonas de diversão nocturna, o compromisso dos estabelecimentos e a adequação da respectiva regulação, os horários de funcionamento e a sua fiscalização têm de ser mais efectivos.

O reforço dos meios de prevenção e de segurança através de efectivos policiais e de videovigilância dedicados às áreas de diversão nocturna é urgente.

As autoridades públicas – locais e nacionais – têm a obrigação de agir. Pode não haver uma solução imediata totalmente eficaz, mas é insuportável a angústia de quem sai à noite e das suas famílias por viverem em sobressalto na expectativa da violência e do risco de consequências graves.

A diversão nocturna pode e deve ser isso mesmo – diversão – e não violência. A sociedade e os agentes do sector têm o dever de se mobilizarem e as autoridades públicas têm a obrigação de garantir a segurança suficiente. Urgentemente!

António Prôa

texto publicado no jornal Nascer do Sol, 26 de Março de 2022

segunda-feira, 21 de março de 2022

A responsabilidade da maioria absoluta

Começo por fazer aqui uma declaração de interesse: fui eleito deputado pelo PSD no Círculo Eleitoral de Lisboa e assumi funções na semana que agora termina. É uma honra e uma responsabilidade que assumo com empenho e espírito de serviço ao meu país.

A obtenção da maioria absoluta pelo Partido Socialista, a aparente recuperação da pandemia, a guerra na Europa e as suas consequências e a evolução económica do país no contexto da União Europeia marcarão a Legislatura que agora se inicia.

A composição do Parlamento nesta XV Legislatura, que resulta da vontade expressa pelos portugueses, confere uma maioria absoluta de deputados ao Partido Socialista e observa algumas alterações significativas à composição tradicional: o desaparecimento da representação parlamentar do CDS e de Os Verdes e a constituição de dois novos Grupos Parlamentares: do Chega e da Iniciativa Liberal.

A atual Legislatura enfrenta vários desafios. Desde logo, a maioria absoluta que condiciona toda a atividade parlamentar, mas que não deve limitar a capacidade de intervenção, especialmente no domínio da fiscalização do Governo. Se, porventura, tal sucedesse, ficaria em causa a confiança dos cidadãos no papel da Assembleia da República.

Por outro lado, a existência de uma maioria absoluta, para mais de um único partido que coincide com o do Governo não permite álibis para falhas na governação e nos seus resultados.

O desafio central com que Portugal se confronta é o desenvolvimento económico. O progressivo atraso económico do país em relação aos demais países da União Europeia, tal como confirmam os dados mais recentes do Eurostat, que dão conta que Portugal tem vindo a perder posições no que respeita ao PIB per capita e a afastar-se da média europeia, obriga a alterar o rumo seguido.

A estagnação (e agora a regressão) económica do país impõe reformas que promovam o crescimento, sob pena de o futuro e a esperança dos portugueses ficarem hipotecados. O histórico da ação do partido socialista não tem sido reformista, no entanto, esta é a oportunidade de o fazer, conjugando a maioria absoluta com os recursos financeiros extraordinários decorrentes do Plano de Recuperação e Resiliência sustentado pela União Europeia, que importam ser fiscalizados.

As reformas de que o país carece, no plano económico, mas também na sustentabilidade da Segurança Social (agravada pelo inverno demográfico), na Saúde (depois da demonstração de insuficiências do Serviço Nacional de Saúde no contexto da pandemia), na Educação (com a crescente falta de professores) e na Justiça (com crónicos problemas de eficácia) devem ser objeto de consensos políticos alargados que lhes confiram estabilidade.

Também a sempre adiada reforma do sistema político e a descentralização de competências do Estado convidam a compromissos políticos.

Por fim, a emergência da guerra na Ucrânia veio expor fragilidades da Europa - e necessariamente de Portugal - na Defesa, segurança energética e segurança alimentar. Para além do impacto económico, as correções destas debilidades convidam à definição e implementação de uma estratégia nacional que devem merecer reflexão e compromissos alargados.

Assembleia da República representa todos os portugueses e tem competências políticas, legislativas e de fiscalização do Governo. O Parlamento é espaço de debate e confronto político, mas pode e deve ser também palco para a construção de diálogo e encontro de consensos que permitam reformas estruturais que promovam o desenvolvimento. No atual contexto, cabe ao Partido Socialista a concretização desta atitude construtiva, rejeitando confundir a maioria absoluta com poder absoluto.

António Prôa

texto publicado no jornal Nascer do Sol, 19 de Março de 2022