sexta-feira, 24 de junho de 2016

Invasão do espaço público

Lisboa tem algumas das praças e jardins mais bonitos do mundo. Até há pouco tempo, os lisboetas pouco usufruíam desses espaços públicos. Depois começaram a descobri-los, mas hoje parece que começam a ser invadidos de forma tão intensa pelas mais diversas iniciativas que se torna difícil usufruir os espaços.

A apropriação dos espaços públicos pelos cidadãos é algo que faz parte de um processo de reconhecimento da cidade enquanto realidade que vai muito para além do espaço onde cada cidadão habita.

Lisboa reúne condições ímpares para o usufruto do espaço público. Tem um clima ameno, segurança e espaços públicos magníficos.

A utilização dos espaços públicos para a realização de eventos diversos tem verificado um crescimento significativo. Tal contribuiu para atrair pessoas e para que estas passassem a conhecer espaços até há pouco tempo incógnitos.

É bom que os espaços da cidade sejam utilizados. É bom que sejam apropriados pelos cidadãos. A cidade constrói-se também com a utilização dos espaços públicos enquanto espaços de lazer, convívio ou contemplação. Esta apropriação contribui para uma maior consciência da cidade enquanto espaço da responsabilidade de todos. Torna os cidadãos mais participativos na comunidade e também mais exigentes.

No entanto, a ocupação de algumas praças e até jardins com actividades, muitas de caracter comercial, tende a ser, em alguns casos, excessivo pela extensão no tempo, a exclusividade da utilização dos espaços ou a desadequação das iniciativas aos espaços.

A ocupação de praças e jardins para toda a espécie de feiras ou arraiais que a pretexto das mais diversas épocas festivas se repetem transformam alguns espaços em verdadeiros recintos de feiras e exposições quase permanentes.

A intensidade da ocupação dos espaços e a imposição de determinadas actividades prejudica a possibilidade de usufruto dos espaços públicos sem um “programa” imposto. Começa a ser difícil passear, simplesmente passear, e contemplar uma paisagem num miradouro ou a tranquilidade de um jardim.

A ocupação dos espaços públicos deve permitir conciliar a realização de actividades com o usufruto dos espaços sem ocupação. Tal deve atingir-se através de um calendário cuidado com uma escolha de actividades adequadas aos espaços, com uma articulação entre as realizações nas várias zonas da cidade e com uma reserva de espaço e tempo para que os espaços se vistam apenas do seu potencial natural (que Lisboa tem o privilégio de ser tão rico e diversificado).

A ocupação dos espaços públicos por actividades e a sua apropriação pelos cidadãos deve ser uma realidade compatível. Nem as actividades devem substituir a realidade onde se inserem nem a apropriação pelos cidadãos deve inibir uma diversidade de realizações. É este equilíbrio que urge recuperar em Lisboa.




António Prôa
Vereador na Câmara Municipal de Lisboa





(publicado no jornal Oje)

sexta-feira, 17 de junho de 2016

Obras irresponsáveis em Lisboa

As obras que decorrem em Lisboa, bem como as já anunciadas, têm sido alvo de ampla discussão pública. As soluções e o calendário têm sido discutidos. No entanto, a irresponsabilidade que significa não aproveitar as intervenções para modernizar as infra-estruturas existentes no subsolo tem sido omitida.

A primeira preocupação foi quanto às opções para cada intervenção: a diminuição de faixas de rodagem, a substituição de calçada, a subtracção de lugares de estacionamento, as árvores, entre outras questões.

Para além da controvérsia sobre as opções tomadas, parece ser quase consensual que o erro reside sobretudo na oportunidade, ou melhor, no oportunismo do calendário das obras previstas. Hoje parece claro que o lançamento das várias intervenções nos eixos rodoviários da cidade obedece a uma programação com objectivos eleitorais com total sacrifício de um planeamento faseado que limite ao mínimo os transtornos enquanto as obras decorrem.

Vale a pena sublinhar que nenhum planeamento cujo objectivo fosse minimizar o transtorno que as obras sempre acarretam aconselharia o decurso de obras em simultâneo nos principais eixos viários da cidade como se irão verificar na segunda circular, em todo o eixo central e na zona ribeirinha. Trata-se de um planeamento que tem por único objectivo acabar as obras a tempo das eleições autárquicas.

No entanto, esta pressa em concluir tantas obras em simultâneo, para além do prejuízo imediato para o dia-a-dia dos lisboetas enquanto estas decorrem, tem outra consequência mais grave, porque terá efeitos a prazo, que é a de ignorar a necessidade e a oportunidade de modernizar integralmente as infra-estruturas existentes no subsolo, bem como enterrar as que se encontram hoje instaladas à superfície ou nas fachadas dos prédios.

As obras previstas ou a decorrer são de duração relativamente breve para a extensão ou importância das áreas que abrangem. Na zona ribeirinha, um ano, na segunda circular, 11 meses, no eixo central, 9 meses e em Sete Rios, 6 meses. Nestes prazos apenas intervenções cosméticas serão possíveis.
Nas zonas alvo destas intervenções não teremos infra-estruturas de subsolo devidamente modernizadas nem teremos aproveitado a oportunidade para ordenar as caixas dos operadores de telecomunicações que se multiplicam à superfície ou os cabos que se acumulam nas fachadas dos prédios. Porque demoraria mais tempo. Porque resolver estes problemas não era compatível com o calendário eleitoral definido.

No final destas obras teremos zonas esteticamente renovadas. Poderemos ter até algumas destas áreas mais agradáveis para os peões. Mas não teremos resolvido problemas estruturais, nem de infra-estruturas, nem de funcionalidade da cidade com o trânsito e com o estacionamento na cidade. Terá sido uma oportunidade perdida.



António Prôa
Vereador na Câmara Municipal de Lisboa





(publicado no jornal Oje)

sexta-feira, 10 de junho de 2016

Arrendamento urbano e turismo em Lisboa

O mercado de arrendamento em Lisboa está a sofrer uma alteração profunda. Depois de alterações legislativas significativas e com impacto no arrendamento urbano como foram as decorrentes dos regimes jurídicos do arrendamento urbano, reabilitação urbana e obras em prédios arrendados, depois da definição de incentivos fiscais à reabilitação e ao arrendamento, depois de um novo quadro de financiamento para os mesmos fins, agora, o turismo parece condicionar de forma determinante o mercado de arrendamento.

As alterações legislativas efectuadas em 2012 bem como o quadro de incentivos e financiamento que se seguiram pretenderam relançar o mercado de arrendamento urbano e revitalizar os centros urbanos que eram reivindicações dos diversos agentes e que há muitos anos não eram concretizados. Logo após estas mudanças foi possível verificar, mesmo como algumas imperfeições, o sucesso daquelas medidas.

Por outro lado, o franco desenvolvimento do sector turístico com impacto no sector imobiliário começou a sentir-se em Lisboa. O licenciamento de novas unidades hoteleiras, a mudança de uso de edifícios de habitação existentes e o exponencial aumento da oferta de alojamento local vieram condicionar todo o mercado imobiliário na cidade.

De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística, da associação das empresas de mediação imobiliária e da revista “Confidencial Imobiliário” a oferta de casas para habitação permanente caiu de forma acentuada fazendo disparar o preço de venda dos imóveis bem como o valor das rendas. Simultaneamente, a oferta de casas no regime de alojamento local (alojamento turístico de curta duração) tem vindo a registar um crescimento exponencial.

Se é um facto que o mercado do alojamento de curta duração constitui um elemento relevante da oferta do turismo em Lisboa e garante um rendimento interessante aos proprietários, importa garantir algumas regras, bem como o equilíbrio na oferta no mercado de habitação em Lisboa. Este mesmo fenómeno verifica-se noutras cidades nas quais algumas medidas estão já a ser adoptadas de forma a garantir este equilíbrio.

Importa não esquecer que a habitação, não obstante o direito à propriedade, tem também um fim social. O arrendamento urbano constitui uma forma de habitação e que o objectivo do legislador foi promover e incentivar essa forma de oferta de habitação e consequente fixação de população.

O Governo e a autarquia lisboeta devem cooperar no sentido de encontrar o equilíbrio entre o desenvolvimento do negócio do alojamento local enquanto componente da oferta turística da cidade e fonte de rendimento dos proprietários e a existência de um mercado de arrendamento urbano que promova a fixação de população no centro da cidade como alternativa à aquisição de habitação própria.

A Câmara Municipal de Lisboa, enquanto proprietária, no âmbito dos seus programas alienação de fogos e de colocação de outros no mercado de arrendamento, pode e deve promover o arrendamento para habitação permanente como instrumento de regulação do mercado, promovendo a fixação de população na cidade.



António Prôa
Vereador na Câmara Municipal de Lisboa





(publicado no jornal Oje)

sexta-feira, 3 de junho de 2016

As árvores que incomodam na cidade

Quantas vezes ficamos incomodados com as árvores que mancham os carros, tornam a calçada escorregadia ou com as sementes que lançam no ar?

Na verdade, as árvores não têm culpa. A responsabilidade é de quem planta as árvores de forma desajustada quer nos locais, quer nas espécies que são escolhidas.

Em Lisboa, são muitos os exemplos de espécies colocadas sem ter atenção ao local em que são plantadas originando transtornos que geram repulsa às árvores.

As árvores nas zonas urbanizadas desempenham funções muito importantes que muitas vezes passam despercebidas ou por desconhecimento ou pelo facto de provocarem transtornos apenas por serem da espécie errada no local errado.

Quando se sente mais o calor, damos conta do conforto da sombra de uma árvore, mas as árvores representam muito mais do que “apenas” a sombra.

Nos parques e jardins mas também nas ruas de uma cidade, as árvores contribuem para o conforto e valorização do espaço urbano protegendo da exposição aos raios solares, diminuindo a temperatura ambiente, aumentando a humidade do ar, protegendo do vento, mas também embelezando os locais onde se encontram.

As árvores nas cidades têm ainda um papel determinante na qualidade ambiental, absorvendo dióxido de carbono, libertando oxigénio, absorvendo poluentes em suspensão, reduzindo o ruído, favorecendo o aumento da infiltração da água no solo, concorrendo para a diminuição do consumo energético das habitações em volta, para além de promoverem a biodiversidade ao abrigarem e servirem de alimento a diversas espécies animais.

A importância das árvores nas cidades é inequívoca. Cabe aos responsáveis pela gestão do espaço público fazer uma escolha adequada das espécies e locais em que as árvores são plantadas.

Não basta olhar ao aspecto estético. Importa prever as consequências da presença das árvores nas diversas funções do espaço público. Não se planta uma árvore que deixa cair substâncias que mancham um carro em zonas de estacionamento. Não se planta uma árvore com frutos que caindo no chão o tornam escorregadio em zonas de peões, não se planta uma árvore que lança sementes para o ar junto de habitações. Não se planta uma árvore junto de um candeeiro sabendo que quando crescer o vai cobrir.

Também a manutenção do arvoredo deve ser atempada e adequadamente efectuada de modo a assegurar o bom estado fitossanitário das espécies, promover um desenvolvimento compatível com o espaço onde se encontram e garantir a segurança de pessoas e bens.

Importa saber planear a organização do espaço público em que as árvores devem ser aliadas do conforto dos cidadãos, evitando, nas opções que são tomadas quanto aos locais e espécies seleccionadas, que sejam sentidas como um transtorno na vida das cidades.



António Prôa
Vereador na Câmara Municipal de Lisboa





(publicado no jornal Oje)