sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Lojas com história – Lisboa com história

A Câmara Municipal de Lisboa aprovou há um a criação do Programa “Lojas com história” com o objectivo de salvaguardar o comércio tradicional e as respectivas lojas em Lisboa.

Com efeito, o comércio cumpre um papel vital na cidade enquanto polo de desenvolvimento económico, gerador de emprego, factor de coesão social e elemento de valorização cultural.
Historicamente, o comércio teve sempre um papel central no desenvolvimento da cidade, chegando mesmo a ser um centro comercial à escala europeia.

Por outro lado, o comércio constitui factor de diferenciação e, por isso mesmo, de identidade da cidade num mundo crescentemente global e competitivo. A atractividade de Lisboa depende também de elementos distintivos que a posicionem como uma realidade ímpar.

A iniciativa de preservação do comércio tradicional em Lisboa reuniu consenso na Câmara Municipal de Lisboa num sinal importante de compromisso partidário transversal. Para além deste consenso, é importante sublinhar a adesão e o compromisso dos comerciantes através das associações representativas.

O sucesso da aposta no comércio tradicional de Lisboa é complexo e depende de uma multiplicidade de factores nos quais as medidas agora tomadas são parte relevante. No entanto é fundamental ter consciência de que muito mais deverá ser feito para que a aposta seja ganha. Importa desenvolver uma estratégia de promoção do comércio integrada numa visão global da cidade que passa por vectores como o turismo, o desenvolvimento económico, a cultura e o urbanismo.

A Câmara Municipal de Lisboa pode e deve cumprir um papel de motor de acções nas quais é parte decisiva de modo directo ou em articulação com outros agentes públicos e deve ainda ser indutora do desenvolvimento de iniciativas complementares por parte de outros parceiros desta estratégia.

A Câmara Municipal de Lisboa, para além da iniciativa agora tomada com o programa “lojas com história”, deverá ser coerente no planeamento e gestão urbanística criando condições para a preservação deste tipo de comércio e da sua localização. Em articulação com o Turismo de Lisboa deverá criar roteiros para a promoção das lojas históricas. Do ponto de vista cultural importa preservar a identidade e genuinidade deste tipo de comércio. Na óptica do desenvolvimento económico deverá promover a competitividade do comércio tradicional.

Por outro lado, a câmara de Lisboa, através de uma moção aprovada por unanimidade, manifestou já a intenção de propor alterações à legislação relacionada com o arrendamento urbano no sentido de criar condições mais favoráveis à preservação do comércio tradicional de Lisboa. Esta é também uma dimensão importante do problema.

Por fim, os comerciantes – principais agentes desta estratégia, directamente e através das associações representativas, devem comprometer-se com esta estratégia de defesa do comércio tradicional, aprofundando a cooperação e modernizando-se.

Lisboa vive um momento de transformação induzida pela pressão turística e pela renovação urbana que se conjuga com novos hábitos de consumo a que não é indiferente o excesso de centros comerciais e hipermercados. O actual momento poderá ser a derradeira oportunidade para a preservação do comércio tradicional. Uma oportunidade para preservar a identidade da cidade de Lisboa. Uma oportunidade que não pode ser desperdiçada.


António Prôa
Vereador na Câmara Municipal de Lisboa





(publicado no jornal Oje)

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

A história das erratas socialistas – um padrão em Lisboa

Tem estado na ordem do dia a errata à proposta de orçamento, ou melhor, as erratas. Entre errata, errata à errata e nota explicativa à proposta do orçamento, à errata e à errata da errata, desde a entrega do orçamento, tem-se vivido na expectativa de uma próxima errata.

Mas se agora o Governo altera o orçamento através de erratas e corrige através de notas explicativas, antes foi condicionado na sua elaboração pelos partidos que o apoiam e depois, obrigado a alterar as suas pretensões pelas condições impostas pela Comissão Europeia.

Importa esclarecer que sempre, ou quase sempre, as propostas de orçamento apresentadas pelos sucessivos Governos, tratando-se de documentos extensos e complexos, são sujeitas a correcções ou esclarecimentos.

Neste caso, por um lado o Governo criou elevadas expectativas que parece não ser capaz de cumprir, e por outro, as alterações são tão significativas em importância e extensão como corrigir a afirmação de diminuição da carga fiscal sobre os portugueses, substituindo-a pela afirmação da sua manutenção, isto num documento de correcção com um número de páginas muito superior ao que habitualmente sucede.

No entanto, é inesperada a surpresa de muitos quanto a estas recorrentes emendas. Esta atitude de correcções sucessivas corresponde a um padrão de comportamento nas decisões tomadas em Lisboa durante a gestão do actual primeiro-ministro enquanto presidente da Câmara.

Em Lisboa, os casos de correcções a intervenções levadas a cabo pelo executivo sucedem-se. A rotunda do Marquês de Pombal, alvo de uma alteração profunda, veio a ter de ser corrigida em obra e na sua organização. A avenida da Liberdade sofreu alterações que tiveram depois de ser corrigidas. A avenida da Ribeira das Naus foi mal concebida e executada e, neste caso, foi efectuada uma primeira correcção que teve, depois, de ser novamente corrigida. Neste momento encontra-se a ser substituído o pavimento de todo o jardim do Príncipe Real devido a uma solução que se veio a confirmar errada.
Todos estes erros cometidos em Lisboa, todas estas correcções, tiveram um preço. Um preço elevado suportado pelos lisboetas.

Mas ainda mais preocupante é a perspectiva de se cometerem mais erros sujeitos a mais correcções em Lisboa em virtude da precipitação que se verifica nas decisões em Lisboa e que estão a ser condicionadas pela pressa em lançar obras. Nas propostas apresentadas verifica-se a falta de estudos que as sustentem e sucedem-se as correcções. As consequências destas precipitações virão depois com correcções às obras e prejuízo para os lisboetas.

Em Portugal, como em Lisboa, a gestão parece estar condenada aos recorrentes erros e correcções. No país reproduz-se agora o padrão da gestão da capital. Em comum os protagonistas – os socialistas e os prejudicados – os cidadãos.



António Prôa
Vereador na Câmara Municipal de Lisboa





(publicado no jornal Oje)

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

A eutanásia e o modelo de sociedade: referendo obrigatório!

Está lançado o debate sobre a eutanásia. Ainda bem. Ainda bem, se não cair na tentação de utilizar argumentos emocionais. Ainda bem, se resistir a maniqueísmos entre esquerda e direita ou entre católicos e não católicos. Ainda bem, se a sociedade se puder pronunciar.

A questão da eutanásia importa a todos. A sua admissão interfere com o modelo de sociedade, com os seus valores, com a forma como se desenvolve a relação entre os seres humanos e como a comunidade se organiza.

A eutanásia impõe uma revolução na forma como se encara a morte. Se até há pouco tempo se tentava prolongar a vida para além do razoável através da utilização desproporcionada de tratamentos, eles próprios excessivamente agressivos em função do resultado, hoje, através do testamento vital, já é possível decidir sobre a utilização de meios de prolongamento da vida em caso de doença. Actualmente é possível evitar o prolongamento artificial, inútil e penoso da vida. Com a eutanásia pretende-se antecipar a morte.

Do ponto de vista da ciência, a eutanásia é contrária ao desenvolvimento científico na medida em que dispensa o desenvolvimento de novos e melhores meios para contrariar o sofrimento e, no limite, a pesquisa de soluções para doenças até agora incuráveis. Será esse o caminho?

Em relação à organização da sociedade, os sinais e as consequências são preocupantes. Uma sociedade que oferece a morte como solução para evitar o sofrimento é forçosamente uma sociedade que se desresponsabiliza por cuidar e acompanhar os mais frágeis. Será a eutanásia compatível com uma sociedade mais solidária e menos individualista?

O estado economiza com a instituição da eutanásia dispensando a utilização de recursos no reforço e desenvolvimento de cuidados paliativos. Será legítima esta forma de poupança?

Que sinais transmite a admissão da eutanásia sobre o respeito pela vida, sobre a solidariedade ou sobre a capacidade de lidar com as dificuldades? Qual o limite para a consideração da eutanásia como recurso? O que é sofrimento? Físico? Psicológico? Quem decide sobre a sua razoabilidade? E se houver outros meios de evitar o sofrimento a eutanásia continua a ser admissível?

A possibilidade de se implementarem alterações numa questão tão importante na forma como a sociedade encara a doença e a morte e as respostas que pretende disponibilizar deve ser participada e decidida por toda a sociedade. A Assembleia da República não deve assumir a responsabilidade de representar os cidadãos sem que estes se pronunciem através do instrumento constitucionalmente previsto – o referendo.

Neste caso, nenhum partido inscreveu a intenção de legislar sobre a eutanásia. Também por isso, uma relação de lealdade para com os eleitores deve impor a necessidade de consulta popular em concreto sobre a matéria.

No caso dos partidos que preconizam a “liberdade de voto” para os deputados em função da “consciência individual”, importa ter em conta que os deputados são representantes do povo e devem agir em função dessa representação. Em coerência, os partidos que defendem tratar-se de uma questão de consciência devem propor a realização de um referendo que promova a obtenção de uma resposta sobre a posição da sociedade em relação à instituição da eutanásia.

Afinal, quem tem medo do referendo?


António Prôa
Ex-deputado do PSD





(publicado no jornal Oje)

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Ainda a Segunda Circular ou as consequências de não se saber o que fazer com o dinheiro

Continua animado o debate sobre a intervenção na 2ª Circular. Depois de uma barragem de críticas e preocupações em reacção ao súbito anúncio, o actual executivo apostou no controlo dos danos à sua imagem.

O pano de fundo desta polémica conjuga a proximidade de eleições e os cofres cheios do município. Dito de outro modo, o actual presidente precisa de mostrar obra para se afirmar e o brutal aumento de taxas e tarifas sobre os lisboetas provocou um acréscimo de receitas da câmara muito além do necessário.

Quanto aos recursos financeiros acumulados, está hoje comprovado o impacto e o excesso. Em 2015 o esforço dos lisboetas duplicou, apenas contabilizando as novas taxas e tarifas (protecção civil, saneamento e resíduos). Por outro lado, no final de 2015 o saldo de tesouraria da câmara atingiu o valor recorde de 124 milhões de euros, muito acima do valor previsto (67 milhões de euros).

Por outro lado, Fernando Medina sucede a António Costa à frente dos destinos da capital com um défice de notoriedade em relação ao seu antecessor. Perante este cenário, era vital ultrapassar estas fragilidades de modo a não colocar em risco a manutenção da câmara em mãos socialistas
A maioria socialista recorreu à forma clássica de fazer obras para afirmar a sua presença. E está a fazê-lo utilizando a velha prática de concentrar obras à porta das eleições promovendo o equívoco entre inaugurações e campanha eleitoral.

Para além do lançamento de obras (algumas previstas há muito) um pouco por toda a cidade em simultâneo, ainda se propõe dar início a obras não previstas, não estudadas nem programadas. Se, por princípio, tal procedimento é criticável, torna-se crítico quando se trata de um eixo com a importância da 2ª Circular.

A intervenção agora anunciada para a 2ª Circular não estava prevista, não foi devidamente estudada nem existe programação possível em coordenação com outras intervenções na cidade.

Apenas seis meses antes deste anúncio para a 2ª Circular, o que estava prevista era a intervenção no saneamento e repavimentação da via. Depois foi o que se viu: transformar a 2ª Circular numa avenida urbana ilustrada por desenhos idílicos e afirmações equívocas numa tentativa de afirmar aquela intervenção num símbolo da maioria socialista. A diferença é também no valor envolvido que passa para o dobro…

Agora que o escrutínio público (e político) obrigou a regressar a algum realismo, a intervenção na 2ª Circular passou a ser constituída por “duas fases” (sendo que quase tudo de significativo fica para essa “segunda fase” não calendarizada). Por agora ficam algumas árvores (muito menos do que as inicialmente referidas), aparece uma divisória para evitar atravessamentos, diminui a ambição de redução de tráfego e outras “alterações”.

Na verdade, sob a capa da abertura à participação pública, vão-se retirando os sinais da precipitação de uma intervenção que parece que só agora está a ser estudada. Entretanto, espera-se que seja concluído o estudo de tráfego que (imagine-se!) não sustentou a proposta inicial.

Pode até concluir-se que esta intervenção na 2ª circular de pouco servirá os objectivos de redução de tráfego, de diminuição dos níveis de poluição sonora e do ar ou de limitação da sinistralidade, mas já serviu de suporte à campanha eleitoral da actual maioria. Uma campanha demasiado cara…


António Prôa
Vereador na Câmara Municipal de Lisboa





(publicado no jornal Oje)