sexta-feira, 22 de abril de 2016

As outras contas de Lisboa

Foram apresentadas as Contas da Câmara de Lisboa referentes a 2015. Era o documento que faltava para comprovar o brutal aumento de taxas e de tarifas a que foram sujeitos os lisboetas.

A narrativa de “boas contas” do executivo socialista cai novamente por terra com a apresentação das contas de 2015, tal como tinha caído quando ficou demonstrado que a redução da dívida anunciada se deveu exclusivamente ao acordo com o Governo sobre os terrenos do aeroporto e não ao mérito da gestão socialista.

As alterações às tarifas de saneamento e resíduos, bem como a criação da taxa de protecção civil tiveram um impacto de aumento de receita de 43,6 milhões de euros (+95%) à custa dos lisboetas que têm sentido penosamente este aumento nas facturas da água.

A receita aumentou também por via dos impostos directos onde o aumento foi na ordem dos 52,9 milhões de euros e ainda através do aumento da venda de património que significou um acréscimo de receita de 26,4 milhões de euros (+ 57%).

Relativamente à alienação de património, embora tal se justifique quando se trata de ajustar as necessidades de património do município, bem como a garantir uma adequada conservação e utilização do mesmo, é imprudente uma dependência excessiva da receita proveniente da venda de património pois trata-se de um recurso finito.

A apresentação das contas revelou ainda outros aspectos negativos na gestão financeira do município: a incapacidade de redução da dívida e a diminuição do investimento mesmo com o saldo de gerência (receita não utilizada no exercício) mais elevado da história do município.

O saldo de gerência de 2015 foi de cerca de 124 milhões de euros (quase o dobro do previsto e cerca de cinco vezes superior à média de anos anteriores). Nunca tal tinha sucedido.

No entanto, mesmo com uma disponibilidade financeira nunca observada, este executivo optou por não apostar na diminuição da dívida tal como se comprova quando se observa que a diminuição da dívida a terceiros foi meramente residual: cerca de 79 mil euros (0,01%).

Em relação ao investimento o cenário é ainda mais estranho. A cidade carece de investimento em muitas áreas, a abundância financeira do município deveria ser motivo para concretizar investimentos na cidade, mas o que se verificou foi a queda do investimento em 3%.

Embora o actual executivo apregoe contas saudáveis em Lisboa. A realidade é que se verifica um excesso de recursos financeiros que a câmara não soube ou não foi capaz de aplicar e à custa de um esforço brutal exigido aos lisboetas.

Uma adequada gestão do município deveria privilegiar a eficiente gestão dos recursos, evitando sacrifícios aos lisboetas, investindo na cidade e diminuindo a dívida. Em 2015 não foi o que se verificou em Lisboa.


António Prôa
Vereador na Câmara Municipal de Lisboa





(publicado no jornal Oje)

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Tejo adiado

A relação de Lisboa com o rio é uma questão antiga. Tão antiga quanto a existência da cidade que nasceu por causa do rio e se expandiu para junto do rio.

O Tejo foi “estrada”, depois meio de vários recursos, mas também depósito de lixo. Ainda assim, o Tejo manteve-se “disponível” para relações mais intensas ou mais distantes, mais nobres ou mais sujas.

A revolução industrial e o crescimento da cidade para o norte afastaram Lisboa do Tejo. A expressão “Lisboa de costas voltadas para o rio” correspondeu a uma imagem muito realista.
A redescoberta do rio pela cidade é relativamente recente. Primeiro começaram os discursos e as intenções. Depois o empenho de aproximação da cidade ao rio com a necessidade de ultrapassar uma barreira constituída pela área de jurisdição do Porto de Lisboa quase toda vedada ao acesso dos lisboetas.

Actualmente encontra-se reposta a normalidade na gestão do território com a Administração do Porto de Lisboa apenas com jurisdição sobre as áreas de actividade portuária e as demais devolvidas à gestão do município.

À parte da discussão sobre a permanência de alguma da actividade portuária em algumas zonas está adquirido que a zona ribeirinha da cidade deve ser de usufruto dos lisboetas.
Encontramo-nos agora na fase de dar uso a toda a zona ribeirinha e ao rio. Neste momento é consensual a ideia de promoção da relação da cidade e dos lisboetas com o rio. No entanto ainda há muito mais intenções que concretizações.

A Câmara Municipal de Lisboa tem agora um papel decisivo na promoção da ligação da cidade ao rio. Mas a assunção desse papel ainda está por corporizar. O Tejo deve ser um elemento estratégico central para o desenvolvimento de Lisboa.

Infelizmente, a mais significativa intervenção junto ao rio tem sido com novas construções. É importante não cair na tentação de ocupar a zona ribeirinha com novas edificações que constituam nova barreira entre Lisboa e o Tejo. Se há casos de novas edificações que pelo seu uso ou pela sua qualidade arquitectónica valorizam a zona ribeirinha e promovem a relação com o rio, outras há que constituem meros actos de oportunismo urbanístico que devem ser evitados.

Lisboa precisa, mais do que gestos bem-intencionados mas demasiado tímidos, de apostar em acções concretas que promovam a relação dos lisboetas com o rio.

A relação das escolas da cidade com o rio continua a ser demasiado limitada. O fomento à prática de desportos náuticos é escasso. O apoio à realização de actividades náuticas é incipiente.

Do ponto de vista cultural, a história da relação da cidade com o rio está por divulgar e a promoção das tradições náuticas é quase inexistente.

Por outro lado, o potencial económico e turístico do rio tarda em ser desenvolvido. É uma ironia que numa cidade com o Tejo aos pés o transporte fluvial esteja quase em vias de extinção e que do ponto de vista turístico as ofertas estejam tão limitadas.

Lisboa precisa de um Plano Estratégico para o Tejo que aborde e desenvolva as questões históricas e culturais, os aspectos urbanísticos, os equipamentos, as actividades económicas e turísticas e as actividades desportivas. Lisboa precisa do Tejo.


António Prôa
Vereador na Câmara Municipal de Lisboa





(publicado no jornal Oje)

sexta-feira, 8 de abril de 2016

A reabilitação urbana em Lisboa pode ser uma prioridade consequente.

Se há tema que parece reunir consenso entre os protagonistas políticos é a reabilitação urbana nas cidades e a sua premência como factor de sustentabilidade e de competitividade. A par com o discurso sobre o mar no plano nacional, talvez este tema seja dos mais referidos no contexto das prioridades políticas para os centros urbanos.

O anterior Governo promoveu um vasto pacote de reformas no sentido de promover a reabilitação urbana, quer do ponto de vista da simplificação legislativa, quer do ponto de vista das exigências técnicas, quer até do ponto de vista dos incentivos financeiros e fiscais.

O impacto das medidas tomadas então não têm, em regra, impacto imediato pois afectam processos cujo ciclo é relativamente longo. No entanto é possível observar sinais inequívocos de desenvolvimento do sector da reabilitação urbana.

O actual Governo confirmou o empenho no incentivo às políticas de reabilitação urbana, beneficiando até do facto de ter como primeiro-ministro o anterior presidente da câmara de Lisboa – cidade para a qual a reabilitação urbana é vital.

Em Lisboa, nos últimos anos, tem sido anunciada a prioridade da reabilitação urbana. Em 2009 a câmara municipal definiu um programa de investimentos em reabilitação urbana (PIPARU) suportado num empréstimo de montante superior a 100 milhões de euros que sofreu vários atrasos e que ainda não foi concluído. No entanto, o sector privado, muito baseado no desenvolvimento de novas unidades hoteleiras ou de alojamento com fins turísticos, tem vindo a investir na reabilitação urbana na cidade de Lisboa.

A reabilitação urbana constitui um aspecto central do processo de revitalização das cidades e um instrumento para o desenvolvimento económico, criação de emprego e até para a sustentabilidade ambiental.

Em Lisboa o desenvolvimento da reabilitação urbana nas suas várias dimensões ganha particular relevância quando se assiste à contínua perda de população, desertificação do centro histórico e degradação do espaço público e de equipamentos de uso colectivo.

Numa cidade como Lisboa não é admissível observar o centro histórico a degradar-se sem que a câmara tome nenhuma iniciativa consequente. Na Baixa é fácil observar edifícios devolutos e em muito mau estado de conservação. A Baixa de Lisboa é o coração da cidade, a sua imagem. O município tem instrumentos, embora excepcionais, que devem ser utilizados em situações também excepcionais para evitar o estado de degradação verificado numa zona tão importante da cidade.

Outra área em que se verifica uma degradação acentuada do património é nos bairros sociais. Nestas zonas encontram-se muitos fogos devolutos e degradados e um espaço público tantas vezes mal mantido. Também aqui se verifica uma ausência de actuação efectiva da câmara municipal no sentido de recuperar o edificado.

Os municípios dispõem de instrumentos legais para garantirem o bom estado de conservação do edificado. Lisboa dispõe, além do mais, de recursos financeiros para alocar a processos de reabilitação em situações excepcionais, inclusivamente substituindo os particulares. O que falta em Lisboa é determinação para intervir em situações de degradação urbana que não deviam ser toleradas.



António Prôa
Vereador na Câmara Municipal de Lisboa





(publicado no jornal Oje)

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Os lisboetas e o acesso ao estacionamento em Lisboa.

Por que razão os lisboetas são tratados do mesmo modo que quem entra de automóvel diariamente na cidade?

Há muitos anos que Lisboa instituiu o estacionamento pago na via pública. Primeiro como meio de ordenar o estacionamento, depois como instrumento para a dissuasão da entrada de veículos na cidade e mais recentemente com preocupações ambientais, a Câmara Municipal de Lisboa foi alargando o estacionamento pago à superfície.

Os residentes em Lisboa gozam da “regalia” de poderem estacionar gratuitamente na respectiva zona de residência (apenas um automóvel por fogo), sendo que o segundo ou terceiro automóvel tem um custo anual associado para poder estacionar.

Na verdade, a aparente regalia no estacionamento para residentes é apenas uma forma de assegurar que os residentes em Lisboa não são penalizados em relação aos residentes noutros concelhos (que, em geral, também gozam da mesma vantagem nas áreas de residência respectiva). De facto, não há diferença de tratamento entre os lisboetas que trabalham e circulam de automóvel na cidade e os que diariamente trazem o carro para trabalhar na capital. Este é o padrão.

Agora que o sistema de estacionamento em Lisboa está estabilizado e se pretende generalizar a toda a cidade o estacionamento pago à superfície, importa ponderar se os lisboetas não devem merecer um tratamento preferencial no estacionamento na cidade em que residem.

O efeito dissuasor da entrada de automóveis na cidade não se aplica aos lisboetas dado que os respectivos automóveis já se encontram na cidade. Por outro lado, as questões ambientais começam a ser combatidas com outras medidas tais como a restrição da circulação em função da antiguidade, níveis de emissões poluentes ou nas zonas históricas.

Lisboa vê duplicar diariamente a sua população em relação ao número de residentes. Tal significa mais trânsito, sobrecarga dos transportes públicos, pressão sobre os equipamentos e infra-estruturas. Todos quantos entram diariamente em Lisboa “usam” a cidade e regressam ao seu local de residência. Os lisboetas ficam…

Lisboa é capital. Uma cidade especial que sempre soube receber e acolher. Lisboa cresceu por saber atrair. Mas é importante não esquecer que Lisboa existe também (e sobretudo) pelos que aqui residem.

No estacionamento em Lisboa importa ponderar, com o cuidado de não criar desequilíbrios no sistema, se os lisboetas não devem merecer um tratamento diferenciado dos demais. Por exemplo, concedendo algumas horas diárias de estacionamento para além da respectiva zona de residência, ou concedendo um tratamento adequado a agregados de famílias numerosas, ou conjugando o uso do automóvel com o acesso aos transportes públicos que operam na cidade, ou ainda através de um tratamento específico na utilização do futuro sistema de bicicletas partilhadas.

A reflexão sobre a forma como os residentes em Lisboa devem ser tratados está na ordem do dia. No estacionamento e noutras matérias. E vale a pena ter em conta que o precedente está aberto com o acesso ao Castelo (gratuito apenas para os lisboetas). Seguramente há outras questões pertinentes e prementes a ponderar na forma como os lisboetas não tratados na sua cidade…



António Prôa
Vereador na Câmara Municipal de Lisboa





(publicado no jornal Oje)