“O que se passou no Parlamento com o processo de alteração à lei de financiamento dos partidos foi falta de bom senso. Falta de bom senso na forma e no conteúdo.”
A polémica gerada pelas alterações ao financiamento dos
partidos políticos pode ser um pretexto para discutir a forma como o Estado
deve apoiar os partidos e para recuperar a confiança nos políticos. Mas não vai
ser fácil…
A forma como o processo de alterações legislativas ao financiamento
partidário foi gerido pelo Parlamento (todos os partidos aceitaram o processo)
é contrária à responsabilidade e à transparência que se exigia numa matéria
sensível para saúde da democracia.
O ambiente de desconfiança que rodeia a acção política deve
merecer, por parte dos agentes políticos, um especial empenho para contrariar o
preconceito existente relativamente à política. Se, por princípio, os políticos
devem ser particularmente rigorosos para poderem ser exemplo, e assim merecerem
a confiança dos cidadãos, a consciência de que existe uma imagem negativa à
partida deve conduzir a um redobrado esforço para demonstrar a probidade da sua
acção.
A democracia é uma conquista popular e, embora relativamente
recente em Portugal, é hoje tida como um pressuposto basilar da organização da
sociedade. Para além das instituições que corporizam o Estado, os
partidos são entidades essenciais para o funcionamento da democracia.
Defender a organização do Estado e a democracia tem de ser
também a partilha da responsabilidade pelo seu funcionamento como instrumento
para o bem-estar comum. A responsabilidade começa pela capacidade de
participar, escolher e assegurar os encargos do seu funcionamento.
O que se passou no Parlamento com o processo de alteração à
lei de financiamento dos partidos foi falta de bom senso. Falta de bom senso na
forma e no conteúdo. Um processo em que todos reagiram com desconforto
transmitindo um sentimento de culpa inadmissível e com soluções inaceitáveis,
tais como a generalização da isenção do IVA ou a retroactividade da sua
aplicação.
Com esta iniciativa legislativa os partidos suscitaram uma
ideia de tratamento de privilégio em benefício próprio sublinhado com um raro
consenso e uma enorme precipitação.
A polémica gerada em torno da lei de financiamento dos
partidos tem de ser o ponto de partida para um regime de maior transparência
nas fontes de financiamento partidário directo e indirecto. Importa que se
saibam quais as subvenções estatais, os benefícios fiscais, mas também os
custos suportados com assessorias e outros meios logísticos. O mesmo deve ser
conhecido relativamente aos apoios privados, sejam monetários ou outros,
devendo saber-se a respectiva origem. Esta informação deve ser facilmente
escrutinável.
Mas esta deve ser também uma oportunidade para discutir a
componente pública e privada do financiamento partidário. Devem existir
limites? Qual deve ser a componente pública e privada do financiamento
partidário?
Importa também separar o que é considerada efectivamente
acção política do que são iniciativas complementares que não são exclusivo
partidário. Esta definição deve concorrer para limitar os benefícios fiscais a
conceder aos partidos. Não se podem tratar todas as iniciativas como políticas
apenas por serem organizadas por partidos.
Importa recuperar bom senso na questão do financiamento dos
partidos. Começando com um acto de humildade admitindo o erro e corrigindo-o,
eliminando aspectos inadmissíveis da lei, reforçando os mecanismos de
transparência e de escrutínio e promovendo uma discussão ponderada sobre o
financiamento dos partidos políticos. Apenas assim se justificará um consenso.
É a democracia que está em causa!
texto publicado no jornal Sol, 30 de Dezembro de 2017
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