sexta-feira, 11 de março de 2016

Hotéis ou eucaliptos?

Embora controversa, foi criada a ideia de que os eucaliptos secam tudo em seu redor, absorvendo toda a água disponível. Também em Lisboa, a conversão sistemática de edifícios com diversos usos em hotéis está a gerar a sensação de que se está a gerar uma espécie de “monocultura” que não permite a sobrevivência de outras actividades. O problema é que em muitas circunstâncias tal corresponde à realidade.

A mais recente controvérsia passa-se na zona do Cais do Sodré com a instalação de mais um hotel e o encerramento de três espaços de diversão nocturna com uma actividade de décadas na animação da cidade.

O caso do Cais do Sodré é o mais recente, mas nos últimos anos têm-se sucedido as notícias de encerramento de lojas, muitas delas com tradições firmadas e de características a poderem ser consideradas património da identidade da cidade, com particular incidência na zona da Baixa.

A proliferação de hotéis na cidade deve-se ao “boom” turístico no país e na capital. Já o encerramento de comércio e outras actividades e substituição por hotéis resulta do licenciamento aparentemente indiscriminado por parte da Câmara Municipal, em alguns casos ao abrigo de recente legislação sobre obras em prédios arrendados.

Sobre a procura de Lisboa enquanto destino turístico importa, com urgência, que o município defina uma estratégia e um posicionamento que deve criar condições de sustentabilidade da actividade turística na capital, bem como definir a oferta a privilegiar.

No que respeita ao licenciamento de hotéis, a Câmara tem actuado de forma passiva, deixando ao “mercado” a total definição da expansão, abdicando de impor quaisquer condições ao abrigo de uma estratégia (inexistente) que assegure equilíbrio entre o desenvolvimento da actividade hoteleira com as demais actividades e com os habitantes. Nesta dimensão, é curiosa a atitude tão “liberal” de um executivo socialista.

A legislação aplicável ao arrendamento urbano e às obras em prédios arrendados sem dúvida que tem um papel nas alterações verificadas nos usos de muitos edifícios. Mas importa sublinhar que é esta mesma legislação que tem induzido muita da reabilitação urbana tão necessária nas zonas mais antigas e degradas da cidade. No entanto, a monitorização dos impactos destas leis deve ser efectuada e a verificação de consequências negativas deve ser pretexto para correcções que as aperfeiçoem. Mas nem por isso a Câmara se deve demitir de exercer um papel (como está previsto) na aplicação deste quadro legal.

O comércio tradicional da cidade de Lisboa deve ser encarado como factor de diferenciação e identidade de Lisboa e, nessa medida, constituir elemento de valorização e atractividade da cidade enquanto destino turístico.

Lisboa tem a oportunidade de se valorizar conjugando a actividade turística com a preservação dos seus elementos distintivos. O desafio do município é o de compatibilizar o desenvolvimento económico da cidade com base no turismo com a protecção da sua identidade e a salvaguarda do bem-estar dos lisboetas.

O que falta definir e importa fazer com urgência é “que turismo queremos em Lisboa?”


António Prôa
Vereador na Câmara Municipal de Lisboa





(publicado no jornal Oje)

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