A questão da eutanásia importa a todos. A sua admissão interfere com o modelo de sociedade, com os seus valores, com a forma como se desenvolve a relação entre os seres humanos e como a comunidade se organiza.
A eutanásia impõe uma revolução na forma como se encara a morte. Se até há pouco tempo se tentava prolongar a vida para além do razoável através da utilização desproporcionada de tratamentos, eles próprios excessivamente agressivos em função do resultado, hoje, através do testamento vital, já é possível decidir sobre a utilização de meios de prolongamento da vida em caso de doença. Actualmente é possível evitar o prolongamento artificial, inútil e penoso da vida. Com a eutanásia pretende-se antecipar a morte.
Do ponto de vista da ciência, a eutanásia é contrária ao desenvolvimento científico na medida em que dispensa o desenvolvimento de novos e melhores meios para contrariar o sofrimento e, no limite, a pesquisa de soluções para doenças até agora incuráveis. Será esse o caminho?
Em relação à organização da sociedade, os sinais e as consequências são preocupantes. Uma sociedade que oferece a morte como solução para evitar o sofrimento é forçosamente uma sociedade que se desresponsabiliza por cuidar e acompanhar os mais frágeis. Será a eutanásia compatível com uma sociedade mais solidária e menos individualista?
O estado economiza com a instituição da eutanásia dispensando a utilização de recursos no reforço e desenvolvimento de cuidados paliativos. Será legítima esta forma de poupança?
Que sinais transmite a admissão da eutanásia sobre o respeito pela vida, sobre a solidariedade ou sobre a capacidade de lidar com as dificuldades? Qual o limite para a consideração da eutanásia como recurso? O que é sofrimento? Físico? Psicológico? Quem decide sobre a sua razoabilidade? E se houver outros meios de evitar o sofrimento a eutanásia continua a ser admissível?
A possibilidade de se implementarem alterações numa questão tão importante na forma como a sociedade encara a doença e a morte e as respostas que pretende disponibilizar deve ser participada e decidida por toda a sociedade. A Assembleia da República não deve assumir a responsabilidade de representar os cidadãos sem que estes se pronunciem através do instrumento constitucionalmente previsto – o referendo.
Neste caso, nenhum partido inscreveu a intenção de legislar sobre a eutanásia. Também por isso, uma relação de lealdade para com os eleitores deve impor a necessidade de consulta popular em concreto sobre a matéria.
No caso dos partidos que preconizam a “liberdade de voto” para os deputados em função da “consciência individual”, importa ter em conta que os deputados são representantes do povo e devem agir em função dessa representação. Em coerência, os partidos que defendem tratar-se de uma questão de consciência devem propor a realização de um referendo que promova a obtenção de uma resposta sobre a posição da sociedade em relação à instituição da eutanásia.
Afinal, quem tem medo do referendo?
António Prôa
Ex-deputado do PSD
(publicado no jornal Oje)
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