quarta-feira, 25 de maio de 2016

Lisboa turística: cidade ou cenário?

As aparências não iludem. Depois de uma ténue diminuição do ritmo de perda de população verificada nos últimos Censos, as estimativas mais recentes para a população residente em Lisboa dão conta de um novo agravamento na perda de população na cidade de Lisboa. Ao mesmo tempo, o mercado de arrendamento que deu um tímido sinal de retoma logo após a reforma do arrendamento com aumento de oferta e diminuição dos preços, volta a denotar escassez de oferta e inflação dos preços.

A perda de residentes parece notar-se especialmente na zona central da cidade – na Baixa e bairros históricos. Ora é precisamente nestas zonas da cidade que se verifica o mais significativo aumento de hotéis, “hostels” e outros “alojamentos locais”, todos dirigidos aos turistas.

Também o fenómeno da reabilitação urbana – que beneficiou de alterações legislativas e de incentivos do próprio município, parece ter sido dominado pela oferta de alojamentos turísticos. Com efeito, parte significativa da reabilitação de edifícios ou fracções que se observa, especialmente na zona central da cidade, destina-se à instalação de hotéis ou recuperação de apartamentos destinados à oferta turística.

Lisboa tem sido alvo de uma procura turística internacional crescente. Ao percorrer a Baixa e os bairros históricos constata-se o fervor turístico, desde logo pelo número de turistas, bem como pela oferta de restauração, lojas de “souvenirs” ou com os “tuk-tuk” que invadiram as ruas.

Existe uma relação directa óbvia entre a perda de população no centro da cidade, a ocupação de áreas outrora habitacionais por alojamentos turísticos e o aumento da afluência turística de Lisboa. Não aceitar este facto é não querer ou ser capaz de lidar com esta questão.

Lisboa quer ou não ser um destino turístico? Os lisboetas beneficiam com a afluência turística à cidade? Que turismo deve ser incentivado? Deve ou não a cidade condicionar a procura turística através da oferta?

Continua por fazer, de modo participado pelos cidadãos, uma reflexão sobre o impacto do turismo no desenvolvimento da cidade. Com excepção da Associação de Turismo de Lisboa – que tem há muitos anos uma estratégia para o turismo da cidade, todos os outros agentes da cidade foram surpreendidos pelo fenómeno turístico.

Lisboa não deve assistir de forma passiva ao desenvolvimento turístico na cidade. O turismo não deve ser encarado como uma inevitabilidade ou algo que se desenvolve sem condições.

O turismo pode ser factor de desenvolvimento sustentado de Lisboa. No entanto, tal deve ser antecedido pela definição de uma estratégia necessariamente participada e assumida por todos.

A actividade turística deve ser regulada e condicionada ao interesse da cidade. E a cidade é em primeiro lugar a sua população residente. Não é sustentável o turismo em Lisboa se procurar turistas mas expulsar os seus residentes. Não será sustentável o turismo em Lisboa se os lisboetas se tornarem hostis aos turistas.


António Prôa
Vereador na Câmara Municipal de Lisboa





(publicado no jornal Oje)

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Rock in Rio – Lisboa: uma oportunidade para o turismo

Mais uma edição do Rock in Rio decorre este ano em Lisboa. Desde 2004, de dois em dois anos, este evento transforma o Parque da Belavista na cidade do rock, constituindo-se como o maior festival de música do país e uma referência mundial.

Depois de algumas edições no Rio de Janeiro, e já com o conceito “por um mundo melhor”, o Rock in Rio tem a sua primeira presença em Lisboa em 2004 ocupando o então desconhecido Parque da Belavista em Marvila. Era um conceito novo e ainda hoje único, associando um festival de música a um conjunto de causas e realizações sociais e ambientais, convocando todos os participantes para esse compromisso, utilizando a música como meio de comunicação.

No momento em que se realiza a sétima edição do Rock in Rio - Lisboa, vale a pena reflectir sobre o seu papel na cidade.

A decisão de acolher em Lisboa o evento assentou numa visão de Lisboa enquanto espaço de acolhimento de grandes acontecimentos capazes de a projectar e promover internacionalmente,

proporcionando também um evento de grande impacto para a cidade e, de um modo geral, para a área metropolitana.

A opção pela localização do festival no Parque da Belavista permitiu divulgar o segundo maior espaço verde da cidade (depois de Monsanto) à disposição dos lisboetas, sendo também pretexto para investimentos que qualificaram este espaço de lazer.

As primeiras edições decorreram com um enorme sucesso pese embora críticas de alguns sectores também políticos. Curiosamente, alguns críticos de então são hoje apoiantes da realização do evento…

A primeira edição do Rock in Rio, em 2004, foi a oportunidade de verificar o sucesso da iniciativa. Este sucesso permitiu perspectivar a sua continuação em Lisboa e a segunda edição, em 2006, foi a ocasião de incluir uma prática, depois substancialmente desenvolvida, de contrapartidas para a cidade.

Por um lado, os vários protocolos assinados entre o promotor do Rock in Rio e o município permitiram dotar o parque de diversas infra-estruturas, qualificando o espaço e dotando-o de novos equipamentos, bem como intervenções como a construção de uma ponte ciclável enquanto contrapartidas pela utilização do espaço. Por outro lado, o RiR assumiu sempre um papel de responsabilidade social, procurando envolver a comunidade local, desenvolvendo um programa de voluntariado com jovens (que infelizmente este ano não se repetiu contra a vontade da organização), bem como utilizando parte dos lucros em acções de reflorestação, instalação de equipamentos de energia solar em escolas.

Outro aspecto relevante é a aposta na utilização de práticas ambientalmente sustentáveis, desde a utilização de água, energia, gestão de resíduos, até ao desperdício alimentar e ainda apostando no desenvolvimento de novas tecnologias.

Na actualidade, o Rock in Rio - Lisboa constitui um valioso instrumento de promoção turística, sendo um factor de renovação de oferta de animação da cidade e exemplo de boas práticas em diversos domínios.

A sustentabilidade turística da cidade depende da capacidade de oferecer novas e renovadas experiências a quem nos visita. Lisboa precisa de grandes eventos que promovam a cidade mas que constituam factor de renovação da oferta.


António Prôa
Vereador na Câmara Municipal de Lisboa





(publicado no jornal Oje)

sexta-feira, 13 de maio de 2016

As prioridades (erradas) em Lisboa

Tiveram inicio na semana passada as obras no eixo central de Lisboa (entre o Marquês de Pombal e Campo Grande). Estas obras irão durar cerca de 9 meses e condicionarão fortemente a circulação em todo o centro da cidade.

A par com esta intervenção, decorrem já obras na zona ribeirinha desde Santa Apolónia até ao Cais do Sodré e em breve começará a obra na Segunda Circular e também em Sete Rios. Dito de outra forma, Lisboa terá frentes de obra em eixos viários fundamentais de modo simultâneo na zona norte, no centro e na zona ribeirinha.

Por outro lado, verificam-se em vários pontos da cidade intervenções nos passeios de forma sistemática ou apenas em cruzamentos, substituindo calçada tradicional por outros materiais, bem como obras de repavimentação que vão condicionando o trânsito um pouco por toda a cidade.

Lisboa transformou-se num autêntico estaleiro porque a câmara municipal decidiu fazer obras ao mesmo tempo em toda a parte.

Qualquer obra provoca transtornos, mas o benefício resultante dessa intervenção vale normalmente o incómodo. Ser contra os transtornos de uma obra é, poderá dizer-se, ser contra a obra e contra os benefícios daí decorrentes.

A questão dos transtornos em Lisboa não é verificarem-se (porque seriam inevitáveis) mas serem muito superiores aos estritamente necessários para a concretização das obras se estas tivessem sido devidamente planeadas. Nenhuma gestão responsável, cuja preocupação fosse o bem-estar dos cidadãos, permitiria tantas obras a decorrerem em simultâneo na cidade. Tal sucede porque se pretende satisfazer um calendário eleitoral.

Por outro lado, vale a pena observar que tipo de obras são feitas e que prioridades foram estabelecidas neste furacão de intervenções em Lisboa.

O programa de repavimentações tem dado prioridade aos eixos principais, mesmo aqueles em que o pavimento estava num estado aceitável, em detrimento de ruas mais escondidas mas em muito pior estado. O critério é evidente: ser visível para um maior número de pessoas.

As intervenções nos passeios têm promovido a substituição da calçada tradicional por outro tipo de pavimentos com o argumento de ser mais confortável, mesmo em zonas em que o problema não se colocava. Por outro lado, a quase obsessão em retirar calçada tem promovido situações de utilização de outros materiais sem respeito pelo meio ou pela relação pela calçada restante com soluções muitas vezes de pior qualidade ou com um aspecto pouco harmonioso. Também aqui parece clara a motivação: intervir com visibilidade, mesmo que sem utilidade.

Algumas das intervenções nos eixos viários fundamentais foram sendo alteradas em função das contestações como o caso do eixo central ou da Segunda Circular que passou de uma obra estruturante de mudança de características e melhoria do trânsito para uma obra de carácter meramente cosmético. A razão é evidente: apenas se pretende mudar a imagem de forma rápida para ter visibilidade.

A estratégia do actual executivo de fazer intervenções “light” para “mostrar obra” a tempo das eleições terá consequências a prazo na cidade. Naturalmente que Lisboa ficará mais agradável à vista, mas os problemas não foram resolvidos. Para estas obras, é demasiado o incómodo provocado aos lisboetas.


António Prôa
Vereador na Câmara Municipal de Lisboa





(publicado no jornal Oje)

sexta-feira, 6 de maio de 2016

O orçamento quase participativo de Lisboa

Foi recentemente lançada mais uma edição do orçamento participativo de Lisboa. Trata-se de um mecanismo de participação dos cidadãos em que são convidados a apresentarem e votarem projectos para serem financiados e concretizados pelo município. A edição deste ano conta com 2,5 milhões de euros a serem utilizados pelos projectos vencedores.

O orçamento participativo de Lisboa teve a sua primeira edição em 2008. Desde essa altura, nas 8 edições que decorreram foram apresentados e votados pelos lisboetas centenas projectos. Lisboa foi pioneira na criação de um orçamento participativo, mas vários projectos venceram e ainda não saíram do papel.

O orçamento participativo constitui um instrumento de participação dos cidadãos na gestão local, promovendo o envolvimento e o escrutínio sobre as opções públicas de investimento. Trata-se de um meio de aproximação dos cidadãos à gestão da coisa pública e de exercício da democracia participativa.

Este instrumento de participação, envolvendo e aproximando os cidadãos, torna-se também um mecanismo que expõe a uma maior exigência os decisores públicos porquanto o escrutínio quanto à concretização dos compromissos assumidos ganha intensidade.

Em Lisboa, desde 2008, estão por concluir mais de metade dos projectos vencedores nas várias edições desta iniciativa, muitos dos quais ainda não tiveram sequer início. Nas 8 edições somam-se 88 projectos eleitos. Destes, apesar de serem intervenções com prazos de execução, na maioria dos casos até um ano, apenas 32 foram concluídos.

Os atrasos no orçamento participativo de Lisboa são recorrentes e os projectos e as verbas correspondentes vão passando de ano para ano. Desde 2008, a taxa de execução média dos orçamentos participativos em termos financeiros situa-se em apenas 36,7%.

A Câmara Municipal de Lisboa tem revelado uma crónica incapacidade em executar os projectos vencedores deste instrumento de participação dos cidadãos. Deste modo, para além de deixar a cidade sem a concretização de propostas importantes, desrespeita os cidadãos que justamente criaram expectativas de verem concretizadas as suas propostas.

Não cumprindo os compromissos assumidos com os cidadãos que se envolvem nesta iniciativa para a qual foram convidados a participar, a câmara municipal provoca uma quebra de confiança na relação com os munícipes, transmitindo uma ideia muito perniciosa de que as instituições e os decisores não observam como prioridade a concretização dos compromissos que assumem. Trata-se de uma questão de respeito.

Um bom instrumento de participação cívica como o Orçamento Participativo pode contribuir para a desconfiança e para o afastamento dos cidadãos quando não se cumprem as expectativas que foram criadas.


António Prôa
Vereador na Câmara Municipal de Lisboa





(publicado no jornal Oje)