segunda-feira, 29 de maio de 2017

As obras vitais que foram ignoradas em Lisboa

“As obras de saneamento são, em regra, subterrâneas e, por isso, não são visíveis. Por isso, não rendem votos. Por isso, não são prioritárias.”

“Os sismos ocorrem com um período longo e, por isso, as obras para minimizar os seus efeitos não tem utilidade no imediato. Por isso, não rendem votos. Por isso, não são prioritárias.”

A realidade, com algumas excepções, confirma esta ideia: muitas vezes os políticos preocupam-se demais com os ciclos eleitorais e de menos com intervenções estruturais ou estratégicas.
Lisboa comporta ambas as situações referidas inicialmente: nem se investe para resolver os problemas das cheias, nem se tomam medidas eficazes para diminuir os riscos decorrentes da ocorrência de um sismo.

Lisboa atravessa um período em que reúne condições para resolver esses problemas. Existe um plano de drenagem pronto desde 2008 à espera de ser concretizado e a intensa renovação urbana a que assistimos é uma oportunidade de melhorar o desempenho sísmico das construções. Por outro lado, parecem existir recursos financeiros disponíveis.

A manifestação de fenómenos meteorológicos extremos e um incorrecto planeamento urbano com excesso de impermeabilização dos solos tem provocado a ocorrência cada vez mais frequente de cheias na cidade.

Lisboa podia ter já concretizado o Plano de Drenagem da Cidade de Lisboa para fazer face aos problemas das cheias. No entanto, a actual gestão camarária tem adiado sistematicamente a sua concretização e, neste caso, a opção foi clara no sentido de sacrificar uma obra estrutural essencial para realizar obras mais vistosas – o que sucede desde 2008…

Lisboa encontra-se numa zona de probabilidade elevada de ocorrência de sismos de magnitude significativa. Na sequência do terramoto de 1755 foram tomadas na construção as primeiras medidas de modo a dotar os edifícios de resistência sísmica. Essa memória foi rapidamente perdida e apenas nos anos 70 do século XX foram introduzidos requisitos de resistência sísmica nas construções. Verifica-se, por isso, um número muito significativo de edifícios sem qualquer condição específica para resistir a sismos e, por outro lado, a degradação do edificado e as intervenções incorrectas têm fragilizado as construções. No entanto, quando tal se verifica em edifícios para apoio a situações de catástrofe tais como hospitais ou quartéis de bombeiros, a questão torna-se ainda mais crítica.

Ora, em Lisboa, dadas as características de risco sísmico, não só este cenário há muito deveria ter conduzido a um plano para o reforço estrutural dos edifícios (a começar pelos de uso público), bem como a ocorrência de intervenções de reabilitação urbana deveriam ser acompanhadas por normas adequadas e eficazes para o reforço sísmico. Pois bem, o que se verifica é inacção e desperdício de uma oportunidade para corrigir as fragilidades estruturais dos edifícios que em alguns casos até se agravam após as intervenções.

Os argumentos para não se fazer nada de realmente eficaz no reforço sísmico dos edifícios variam entre a preocupação em não criar alarme e os custos das intervenções. A verdadeira e relevante questão deve ser antes a de quanto custará quando ocorrer um sismo (e vai ocorrer) não se tendo feito nada em tempo útil.

Infelizmente, em Lisboa, trocam-se intervenções estruturais para a segurança das pessoas por serem “invisíveis” e não terem efeito prático no curto prazo por preocupações estéticas do espaço público. Um dia esta irresponsabilidade terá consequências.

António Prôa


texto publicado no jornal Sol

segunda-feira, 22 de maio de 2017

As “pequenas coisas” que foram esquecidas em Lisboa

A gestão da cidade de Lisboa tem sido caracterizada pela aposta nas obras de requalificação do espaço público - obras de grande visibilidade, embora, em muitos casos, com soluções que não melhoraram o dia-a-dia da vida de quem utiliza a cidade.

A gestão da cidade tem sido centrada a pensar mais nos turistas e menos em quem vive em Lisboa.
Lisboa foi engolida por obras por toda a cidade em contra-relógio para estarem prontas para serem vistas nas próximas eleições. No entanto, os crónicos problemas da cidade mantêm-se ou agravaram-se. Não houve sensibilidade nem resposta para os problemas do dia-a-dia de quem vive ou utiliza a cidade. O problema do trânsito é a consequência mais evidente desta acção pouco ponderada. Lisboa pode estar mais agradável à vista, mas os problemas não foram resolvidos.

A disponibilidade financeira do município aumentou, nos últimos anos, de forma impar com um impulso decisivo na diminuição da dívida resultante do acordo com o Governo anterior sobre o pagamento dos terrenos do aeroporto (responsável por 87 % da diminuição da dívida dos últimos dez anos), a par de um aumento de global de receitas de 20% em resultado do brutal aumento de taxas e tarifas (94% em apenas em um ano).

Lisboa vive o deslumbramento de quem gere a cidade com muitos recursos financeiros e quer deixar “obra” quase sem olhar a custos, mas sobretudo sem cuidar das correctas prioridades, preterindo o investimento estrutural ou a resolução dos pequenos problemas do dia-a-dia – que têm menos visibilidade, em favor da obra que “enche o olho” e que muitas vezes é feita a pensar mais nos turistas e menos em quem vive em Lisboa.

O facto é que as obras estão concretizadas e, no entanto, permanecem os problemas crónicos de Lisboa. Em muitos casos as zonas de intervenção foram escolhidas, não por necessitarem mais de intervenção mas por serem mais visíveis. A preocupação com o embelezamento prejudicou a funcionalidade (por exemplo, no trânsito). Importa agora reflectir sobre o que ficou por cuidar em Lisboa.

Lisboa permanece suja e fora das zonas em que foram feitas as grandes obras continua degradada. O lixo continua a acumular-se em muitos pontos da cidade. Nas zonas da cidade à margem dos principais eixos ou praças continuam os pavimentos degradados, os candeeiros em mau estado, os bancos destruídos.

Onde foram feitas obras de renovação do espaço público parece que está tudo a brilhar, mas a restante cidade (grande parte da cidade) parece ter sido esquecida. Não há manutenção do espaço público e não há recuperação do mobiliário urbano.

A actual gestão da cidade parece saber apenas fazer de novo mas não cuida de manter ou conservar o que existe.

E depois temos a limpeza. Continua a observar-se lixo acumulado nas ruas, junto aos ecopontos e às papeleiras. A Câmara não tem sabido resolver o problema do lixo.

Parece que Lisboa só existe nos principais eixos e praças. Parece que em Lisboa só interessam os turistas. Parece que as zonas menos visíveis da cidade e também os lisboetas foram esquecidos.
Em Lisboa temos cenários mais bonitos para tirar fotografias. Mas não se vive melhor em Lisboa. Falta cuidar e resolver os “pequenos” problemas do dia-a-dia de quem vive em Lisboa.

António Prôa

texto publicado no jornal Sol