NEVOEIRO
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer —
Brilho sem luz e sem arder
Como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a hora!
Fernando Pessoa
terça-feira, 30 de novembro de 2010
Há três espécies de Portugal, dentro do mesmo Portugal
Há três espécies de Portugal, dentro do mesmo Portugal
Há três espécies de Portugal, dentro do mesmo Portugal; ou, se se preferir, há três espécies de português. Um começou com a nacionalidade: é o português típico, que forma o fundo da nação e o da sua expansão numérica, trabalhando obscura e modestamente em Portugal e por toda a parte de todas as partes do Mundo. Este português encontra-se, desde 1578, divorciado de todos os governos e abandonado por todos. Existe porque existe, e é por isso que a nação existe também.
Outro é o português que o não é. Começou com a invasão mental estrangeira, que data, com verdade possível, do tempo do Marquês de Pombal. Esta invasão agravou-se com o Constitucionalismo, e tornou-se completa com a República. Este português (que é o que forma grande parte das classes médias superiores, certa parte do povo, e quase toda a gente das classes dirigentes) é o que governa o país. Está completamente divorciado do país que governa. É, por sua vontade, parisiense e moderno. Contra sua vontade, é estúpido.
Há um terceiro português, que começou a existir quando Portugal, por alturas de El-Rei D. Dinis, começou, de Nação, a esboçar-se Império. Esse português fez as Descobertas, criou a civilização transoceânica moderna, e depois foi-se embora. Foi-se embora em Alcácer Quibir, mas deixou alguns parentes, que têm estado sempre, e continuam estando, à espera dele. Como o último verdadeiro Rei de Portugal foi aquele D. Sebastião que caiu em Alcácer Quibir, e presumivelmente ali morreu, é no símbolo do regresso de El-Rei D. Sebastião que os portugueses da saudade imperial projectam a sua fé de que a famí1ia se não extinguisse.
Estes três tipos do português têm uma mentalidade comum, pois são todos portugueses mas o uso que fazem dessa mentalidade diferencia-os entre si. O português, no seu fundo psíquico, define-se, com razoável aproximação, por três característicos: (1) o predomínio da imaginação sobre a inteligência; (2) o predomínio da emoção sobre a paixão; (3) a adaptabilidade instintiva. Pelo primeiro característico distingue-se, por contraste, do ego antigo, com quem se parece muito na rapidez da adaptação e na consequente inconstância e mobilidade. Pelo segundo característico distingue-se, por contraste, do espanhol médio, com quem se parece na intensidade e tipo do sentimento. Pelo terceiro distingue-se do alemão médio; parece-se com ele na adaptabilidade, mas a do alemão é racional e firme, a do português instintiva e instável.
A cada um destes tipos de português corresponde um tipo de literatura.
O português do primeiro tipo é exactamente isto, pois é ele o português normal e típico. O português do tipo oficial é a mesma coisa com água; a imaginação continuará a predominar sobre a inteligência, mas não existe; a emoção continua a predominar sobre a paixão, mas não tem força para predominar sobre coisa nenhuma; a adaptabilidade mantém-se, mas é puramente superficial — de assimilador, o português, neste caso, torna-se simplesmente mimético.
O português do tipo imperial absorve a inteligência com a imaginação — a imaginação é tão forte que, por assim dizer, integra a inteligência em si, formando uma espécie de nova qualidade mental. Daí os Descobrimentos, que são um emprego intelectual, até prático, da imaginação. Daí a falta de grande literatura nesse tempo (pois Camões, conquanto grande, não está, nas letras, à altura em que estão nos feitos o Infante D. Henrique e o imperador Afonso de Albuquerque, criadores respectivamente do mundo moderno e do imperialismo moderno) (?). E esta nova espécie de mentalidade influi nas outras duas qualidades mentais do português: por influência dela a adaptabilidade torna-se activa, em vez de passiva, e o que era habilidade para fazer tudo torna-se habilidade para ser tudo.
Fernando Pessoa
Há três espécies de Portugal, dentro do mesmo Portugal; ou, se se preferir, há três espécies de português. Um começou com a nacionalidade: é o português típico, que forma o fundo da nação e o da sua expansão numérica, trabalhando obscura e modestamente em Portugal e por toda a parte de todas as partes do Mundo. Este português encontra-se, desde 1578, divorciado de todos os governos e abandonado por todos. Existe porque existe, e é por isso que a nação existe também.
Outro é o português que o não é. Começou com a invasão mental estrangeira, que data, com verdade possível, do tempo do Marquês de Pombal. Esta invasão agravou-se com o Constitucionalismo, e tornou-se completa com a República. Este português (que é o que forma grande parte das classes médias superiores, certa parte do povo, e quase toda a gente das classes dirigentes) é o que governa o país. Está completamente divorciado do país que governa. É, por sua vontade, parisiense e moderno. Contra sua vontade, é estúpido.
Há um terceiro português, que começou a existir quando Portugal, por alturas de El-Rei D. Dinis, começou, de Nação, a esboçar-se Império. Esse português fez as Descobertas, criou a civilização transoceânica moderna, e depois foi-se embora. Foi-se embora em Alcácer Quibir, mas deixou alguns parentes, que têm estado sempre, e continuam estando, à espera dele. Como o último verdadeiro Rei de Portugal foi aquele D. Sebastião que caiu em Alcácer Quibir, e presumivelmente ali morreu, é no símbolo do regresso de El-Rei D. Sebastião que os portugueses da saudade imperial projectam a sua fé de que a famí1ia se não extinguisse.
Estes três tipos do português têm uma mentalidade comum, pois são todos portugueses mas o uso que fazem dessa mentalidade diferencia-os entre si. O português, no seu fundo psíquico, define-se, com razoável aproximação, por três característicos: (1) o predomínio da imaginação sobre a inteligência; (2) o predomínio da emoção sobre a paixão; (3) a adaptabilidade instintiva. Pelo primeiro característico distingue-se, por contraste, do ego antigo, com quem se parece muito na rapidez da adaptação e na consequente inconstância e mobilidade. Pelo segundo característico distingue-se, por contraste, do espanhol médio, com quem se parece na intensidade e tipo do sentimento. Pelo terceiro distingue-se do alemão médio; parece-se com ele na adaptabilidade, mas a do alemão é racional e firme, a do português instintiva e instável.
A cada um destes tipos de português corresponde um tipo de literatura.
O português do primeiro tipo é exactamente isto, pois é ele o português normal e típico. O português do tipo oficial é a mesma coisa com água; a imaginação continuará a predominar sobre a inteligência, mas não existe; a emoção continua a predominar sobre a paixão, mas não tem força para predominar sobre coisa nenhuma; a adaptabilidade mantém-se, mas é puramente superficial — de assimilador, o português, neste caso, torna-se simplesmente mimético.
O português do tipo imperial absorve a inteligência com a imaginação — a imaginação é tão forte que, por assim dizer, integra a inteligência em si, formando uma espécie de nova qualidade mental. Daí os Descobrimentos, que são um emprego intelectual, até prático, da imaginação. Daí a falta de grande literatura nesse tempo (pois Camões, conquanto grande, não está, nas letras, à altura em que estão nos feitos o Infante D. Henrique e o imperador Afonso de Albuquerque, criadores respectivamente do mundo moderno e do imperialismo moderno) (?). E esta nova espécie de mentalidade influi nas outras duas qualidades mentais do português: por influência dela a adaptabilidade torna-se activa, em vez de passiva, e o que era habilidade para fazer tudo torna-se habilidade para ser tudo.
Fernando Pessoa
Pessoa
O binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo.
O que há é pouca gente para dar por isso.
óóóó — óóóóóóóóó — óóóóóóóóóóóóóóó
(O vento lá fora).
Álvaro de Campos
O que há é pouca gente para dar por isso.
óóóó — óóóóóóóóó — óóóóóóóóóóóóóóó
(O vento lá fora).
Álvaro de Campos
domingo, 28 de novembro de 2010
A reforma de Lisboa e o exemplo para o país
A divisão administrativa de Lisboa data de 1959 quando se operou a última adequação à realidade urbana e demográfica de então. A anterior reforma administrativa datava do final do século XIX, século em que várias alterações ocorreram, incluindo aos limites do concelho.
Nos últimos cinquenta anos verificaram-se alterações muito significativas em Lisboa, quer do ponto de vista urbanístico quer em termos demográficos. Neste pressuposto, a divisão administrativa da cidade pode ser novamente modernizada tendo também em conta novas exigências da população.
Mas se a divisão administrativa pode ser actualizada com o objectivo de tornar as freguesias mais adequadas à realidade, também as suas competências próprias devem ser aprofundadas. As freguesias são as estruturas da administração mais próximas dos cidadãos. Pela sua natureza são as organizações mais aptas para dar resposta rápida e adequada às solicitações das populações. Neste sentido, o reforço das competências das freguesias concorre para uma resposta mais eficaz e mais eficiente aos cidadãos.
Em Lisboa, a reforma administrativa pode conduzir a um melhor desempenho da administração local. Mas desejavelmente, as referidas alterações devem ser abordadas num contexto mais alargado. Desde logo no âmbito da Área Metropolitana de Lisboa, mas também no resto do país. Por outro lado, deverá ser repensado o quadro de competências das autarquias que deve ser alterado, não continuando a tratar de forma igual realidades e necessidades diferentes em função, por exemplo, de freguesias dos grandes centros urbanos ou de zonas rurais.
A reforma administrativa em Lisboa pode ser o motor para a modernização do poder local em todo o país. Queiram os promotores a mudança e não o protagonismo pessoal.
Crónica publicada na edição de Novembro do Jornal de Lisboa
Nos últimos cinquenta anos verificaram-se alterações muito significativas em Lisboa, quer do ponto de vista urbanístico quer em termos demográficos. Neste pressuposto, a divisão administrativa da cidade pode ser novamente modernizada tendo também em conta novas exigências da população.
Mas se a divisão administrativa pode ser actualizada com o objectivo de tornar as freguesias mais adequadas à realidade, também as suas competências próprias devem ser aprofundadas. As freguesias são as estruturas da administração mais próximas dos cidadãos. Pela sua natureza são as organizações mais aptas para dar resposta rápida e adequada às solicitações das populações. Neste sentido, o reforço das competências das freguesias concorre para uma resposta mais eficaz e mais eficiente aos cidadãos.
Em Lisboa, a reforma administrativa pode conduzir a um melhor desempenho da administração local. Mas desejavelmente, as referidas alterações devem ser abordadas num contexto mais alargado. Desde logo no âmbito da Área Metropolitana de Lisboa, mas também no resto do país. Por outro lado, deverá ser repensado o quadro de competências das autarquias que deve ser alterado, não continuando a tratar de forma igual realidades e necessidades diferentes em função, por exemplo, de freguesias dos grandes centros urbanos ou de zonas rurais.
A reforma administrativa em Lisboa pode ser o motor para a modernização do poder local em todo o país. Queiram os promotores a mudança e não o protagonismo pessoal.
Crónica publicada na edição de Novembro do Jornal de Lisboa
segunda-feira, 8 de novembro de 2010
Novos monumentos nacionais em Lisboa
Na semana passada o Governo aprovou a classificação de quatro novos monumentos nacionais.
Para além do Campo da Batalha de Aljubarrota, onde D. Nuno Álvares Pereira derrotou os castelhanos utilizando a célebre táctica do quadrado, foram adicionados ao inventário dos monumentos nacionais mais três referências na cidade de Lisboa.
A Igreja do Coração de Jesus da autoria de Nuno Teotónio Pereira e Nuno Portas, o Jardim Botânico e o edifício-sede e parque envolvente da Fundação Calouste Gulbenkian são agora monumentos nacionais.
Esta classificação aumenta a salvaguarda e protecção destes edifícios impondo condicionamento a alterações em zonas adjacentes que passam a ser consideradas zonas de protecção aos monumentos nacionais.
Lisboa está de parabéns. Saiba agora a cidade e os seus responsáveis respeitar estas classificações.
quinta-feira, 4 de novembro de 2010
Os negócios dos logradouros em Lisboa
Na passada quarta-feira foi noticiado o facto de se estarem a verificar negociações entre o vereador Manuel Salgado e o Arq. Ribeiro Telles sobre os logradouros de Lisboa.
Tal como a notícia apresenta a questão, parece que a salvaguarda dos logradouros em Lisboa é matéria "negociável" para o a Câmara mas também para o Arq. Ribeiro Telles.
Não acredito que seja verdade que os valores de sustentabilidade ambiental que defendem os logradouros na cidade, e que o importante papel ecológico destes espaços sejam "negociáveis" para Ribeiro Telles. Podem ser para outros que se dizem representar o que o professor defende, mas não para o próprio.
Tal como a notícia apresenta a questão, parece que a salvaguarda dos logradouros em Lisboa é matéria "negociável" para o a Câmara mas também para o Arq. Ribeiro Telles.
Não acredito que seja verdade que os valores de sustentabilidade ambiental que defendem os logradouros na cidade, e que o importante papel ecológico destes espaços sejam "negociáveis" para Ribeiro Telles. Podem ser para outros que se dizem representar o que o professor defende, mas não para o próprio.
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
Inundações em Lisboa
Depois da tempestade da semana passada, mas com mais um inverno a aproximar-se, vale a pena recordar, com serenidade e sem demagogia, o que se passou recentemente em Lisboa com a chuva intensa a provocar inundações com graves danos na grande lisboa e em particular na capital.
O problema das inundações em Lisboa é muito mais do que um problema de falta de limpeza de sarjetas. Está relacionado com o mau planeamento urbano ou ausência deste e erros crassos de urbanização cometidos durante muitos anos. A título de exemplo, recorde-se a urbanização nos anos 90 ao longo da Avenida de Ceuta - leito de cheia onde as mais elementares regras de planeamento urbanístico são muito claras quanto à inibição de ocupação.
Mas a realidade é a que é e, como se disse, resulta de uma sucessão de acções ao longo de muito tempo. Importa evitar a acumulação de mais erros, procurar soluções que permitam minimizar as suas consequências e implementa-las.
Em 2007 encontrava-se praticamente concluído em Lisboa o Plano Geral de Drenagem da Cidade de Lisboa. Um plano que pretendeu identificar os problemas da rede de saneamento bem como, em geral, os problemas relacionados com o comportamento da cidade em relação à chuva e ocorrência de inundações. Foi um estudo tão ambicioso quanto fundamental para a cidade. Um trabalho que veio preencher uma lacuna sobre o conhecimento da cidade de Lisboa.
O Plano Geral de Drenagem da Cidade de Lisboa prevê a necessidade de investimentos para os quais definia um plano ao longo de 12 anos e que totalizavam cerca de 140 milhões de euros.
Em 2008 a Câmara anunciou o início do investimento previsto no Plano de Drenagem aprovado em 2010. O que se constata é que esse investimento tão importante para Lisboa não teve qualquer concretização.
Num período de dificuldades financeiras no país e por consequência em Lisboa, mais do que nunca importa ser selectivo nos investimentos públicos. Em Lisboa, parece indiscutivel que a prioridade deve ser dada ao investimento na execução do Plano Geral de Drenagem de Lisboa.
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